5 de abril de 2010

PERSONALIDADE LUZIENSE: DONA ADALGISA


E numa de minhas visitas ao 47, dei uma voltinha na casa da Dona Adalgisa, a costureira mais famosa da cidade. Ela não é de Santa Luzia mas fincou suas raízes ali desde muito tempo, tanto tempo que eu nem lembro se um dia eu vivi naquele lugar sem a figura desta pessoa. Mulher de fibra, de coragem. Desde que eu me entendo por gente já vivia só nos cuidados com os filhos. Pessoa respeitável e cheia de muita moral sempre se distanciou dos comentários e nunca se envolveu em fofocas. A dona Adalgisa é comadre da mamãe, mas sempre foi o braço direito da minha Irmã Luzia, a quem sempre tratou como filha. As duas foram sempre muito cúmplices e a senhora costureira foi quem regrou a inexperiente mãe na educação das duas filhas: a Nara e a Nívea. Lembro dela, mas nunca fora de casa. As vezes em que eu passava naquela rua por detrás da Barraca da Santa eu sempre a enxergava debruçada em sua labuta diária, a costura. Passava por lá e num único virar de pescoço lá estava ela e sua máquina Singer de barulho característico às pedaladas para o desenrolar da linha. É incontestável a sua competência, dos mais pobres aos mais ricos, todos já fizeram encomendas a ela. Na época em que a moda era a costura artesanal, ninguém recriou e reinventou mais modelos do que ela. Lembro que na sala de costura que ficava de frente pra rua e ao lado da entrada da casa, as pessoas passavam horas a fio na escolha do modelito nos incontáveis catálogos e revistas de manequins para que ela repetisse o feito. Casamento, dos mais nobres aos mais simples, as noivas recorriam a ela. Quinze anos, dos mais chiques aos menos enfeitados, ela era quem fazia o vestido. Festa das Flores então, nem se fala, a salinha de costura ficava que não cabia gente, todos da redondeza confiavam e optavam pelos seus dotes. Era prendada nos afazeres com o corte. Pregava botão como ninguém, imitava os modelos das revistas com uma perfeição de dar inveja. Era famosa a dona Adalgisa. Mamãe era vendedora de cortes, ela viajava para a capital e comprava os panos no Xerfan para a revenda: cambraias, cetins, sedas, tergal, brim, morim...era uma quantidade imensa de recortes de panos, lisos ou estampados que trazia para vender no 47 e nos interiores ao seu redor. Muita gente comprava pano dela por conta da indicação da costureira, a dona Adalgisa. Nós lá de casa só costurávamos roupas se fosse para as bandas de lá. O conjunto azul, tão famoso e tão falado, da minha primeira comunhão, foi ela que costurou, o vestido de 15 anos da minha irmã Deusa, ousado e tão moderno, ela que recriou. Não havia ninguém que não confiasse no seu trabalho. Não houve e nem haverá alguém que sofresse o descontento depois do trabalho feito. Ela era tão cogitada que criou os filhos todos só com o dinheiro das encomendas.
Lembro que ela fazia parte das decisões da mamãe. Dona Maria respeitava os conselhos da comadre como se fossem ordens, ás vezes ela contestava os modelos que a mamãe escolhia pra gente: “Que é isso Maria, a menina vai sair de casa que nem um palhaço. Não, nem pensar, vamos escolher outro!”Era bacana porque a Mariazinha nunca teve bom gosto. Agora de tudo o que eu sei e sinto sobre essa nossa personalidade luziense de hoje, nada me marcou mais que o corte, não os de costura, mas o de cabelo. Dona Adalgisa era costureira mas inventava que era cabeleireira e isso me causou alguns traumas, sem dúvida. É só tentar dar uma outra olhadinha na foto já postada aqui do dia da minha primeira comunhão, aquele corte de cabelo infeliz, quem fez, advinha? (KKKKKKKK). Então, a dona Adalgisa. Lembro como se fosse hoje, a mamãe ordenando para que a acompanhássemos até a casa da comadre, íamos com aquela sensação de estarmos indo para o matadouro. Chegávamos lá chorando e ela ria da gente: “Tá chorando por que? Se cuidasse da cabeça não precisava cortar, agora tá com a bucha cheia de piolho e sujeira, é melhor meter a tesoura!”. Ela era podre!!!Estava sentada e lá mesmo ficava. Chamava a gente pra mais perto e do nada, puxava a cabeleira e com a mesma tesoura do corte da roupa, mandava brasa nos cachinhos queimados de tanto sol. Eu tinha ódio. Faltava morrer de chorar quando via o meu cabelo caindo no chão. Ela era ótima pra modelo de roupa agora de modelo de cabelo, não entendia absolutamente nada! Eu adorava os conjuntos que costurava com mangas bufantes, mas bufava de raiva quando cortava o meu cabelo. Ficava podre! Eu já era feia (feia não, horrível) e com o cabelo daquele jeito ficava indescritível. Depois do corte eu mais parecia sei lá, o curupira. Horrível ao quadrado. Foi por causa disso que ganhei o apelido de macho e fêmea, fui confundida milhares de vezes com um menino e só saia de casa por ordem e obrigação. Mas eu aprendi a conviver com as mágoas todas. Admiro a dona Adalgisa e agradeço o carinho que cultivou e ainda cultiva por todos nós lá de casa. É uma grande mulher. Uma excelente mãe. Um maravilhoso exemplo. Parabéns, mãezinha! Que Deus a abençoe sempre.

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