30 de abril de 2010

PERSONALIDADE LUZIENSE: O FAZENDEIRO OZÓRIO


O dia era de muito sol ou de muita chuva, quando a turma resolvia pegar as suas monaretas para desbravar o ramal do COSANPA. Íamos por ali em grupo, pedalando e firmes no guidão, carregando um ou outro amigo na garupa das monarques antigas que nos levavam para os mais infinitos lugares. Os ramais de Santa Luzia sempre davam numa ou noutra comunidade onde podíamos paraa à beira de uma pequena estrada embaixo de um pé de àrvore para provar das mangas quase podres que caíam das mangueiras que traziam os seus galhos para fora das fazendas cercadas em arame farpado. Éramos curiosos e famintos e, a cada sombra, parávamos para uma boquinha: azeitona e nossas línguas azuis, manga verde com sal, jurubeba, canapum,goiaba, ingá, laranja, tangerina...tudo de graça e furtado dos quintais alheios. Tudo grátis e retirado das bondosas árvores pomposas que entregavam a nós num esforço mínimo, seus frutos, caídos do outro lado do arame que furava sem piedade.

Passávamos por ali pelo ramal da COSANPA roubando tudo quanto era de frutinha dos terrenos das comadres e compadres de nossos pais, retirando o excesso de frutos das beiradas das fazendas dos coronéis e fazendeiros da região, mas havia um lugar onde ninguém ousava mexer.Havia uma fazenda, onde nenhum de nós tentou adentrar. Houve uma fazenda que era terreno proibido, área demarcada, ambiente sem qualquer possibilidade de moleque invadir: A FAZENDA DO OZÓRIO. Menino ouvia falar no fazendeiro e saía de perto. O terreno dele não tinha placa que avisasse sobre o cão bravo mas só o fato de ser do Ozório já deixava moleque escabriado. Aquele lugar era como se fosse a casa da bruxa intocável no centro da floresta. Um lugar cheio de mitos e mistérios por onde todos passavam mas nenhum tinha coragem de encostar. “Olha aquela goiaba madurinha lá em cima!!!!”. “Nem pensa em fazer isso, Junia, essa aqui é a fazenda do Ozório esqueceu?!” (KKKK). A gente morria de medo desse nome. Ele era o Lampião luziense, o nosso lampião do ramal da Cosanpa. Passávamos por lá sempre e cheios de histárias fantásticas, narrativas que ouvíamos na rua, na praça: as espingardas, os seus capangas, os seus pirarucus, a quantidade de gado, o tamanho da fazenda, os ossos enterrados embaixo das árvores, as capivaras, os tiros que o povo escutava com eco por entre os arbustos. O Ozório era coronel dos tempos da República Velha, pegava todo mundo pelo cabresto, olhava pra gente com aquele olhar de homem brabo, impaciente, aquele bigode que impunha respeito, aquele corpo entroncado com cinto em couro e bota bico de ferro (KKKKK – INESQUECÍVEL!!!). Ele foi um mito, um bandido, um herói, UMA PERSONALIDADE LUZIENSE. Indescritível, irreconhecível, impotente, onipotente. Lembro e creio que todos também, das melhores épocas de leilão na Barraca, a mesa do fazendeiro farta, ele doava os bois e os comprava novamente parta oferecer a uma ou outra pessoa. Ele era respeitado nos dias de arraial, gastava dinheiro feito água, ninguém ousava dar um lance maior que o seu, e ninguém conseguia mesmo, porque além de causar medo, ele tinha dinheiro, muito dinheiro. Arrematava galinha caipira em pencas e mandava à mesa de um compadre aqui, arrematava um bolo confeitado e doava para uma comadre ali, comprava um pudim e oferecia a um visitante e assim ele fazia a farra distribuindo presentes e compras pra todo mundo: panela de pressão, bolo de trigo comum, galinha assada, novilho, bode...TUDO e a paróquia ficava feliz da vida, e a igreja lucrava, e o padre ficava feliz da vida e o povo agoniado.

O Ozório causava medo pelo nome, pelos contos, pelo causos, pelos fatos, pelos acontecimentos. Era o Lampião do nordeste paraense, o Quintino do 47, O Robin Hood do ramal da Cosanpa, o marido da dona Vera, o fazendeiro, o desertor: UM PARADOXO!

Aos que lembram dos nossos passeios para a Cachoeirinha deve lembrar das vezes em que um amigo puxava o arame farpado e abria um espaço para o outro se curvar e cuidadosamente passar para o outro lado da cerca, enfrentando a juquira e as vassourinhas que arranhavam as nossas canelas tuíras de poeira. Quantas vezes não fizemos isso, no terreno do seu João do ovo, no seu Sebastião Lopes,mas no terreno do Ozório, como diz o Manoel de Jesus, o irmão do Reinaldo: “Índio entrou aqui, homem branco manda chumbo em bunda de índio!” (KKKKKK). IMPOSSÍVEL ESQUECER! E o seu Ozório que foi motivo de tantas desconfianças e de tantas histórias de terror acabou morrendo vítima de seu próprio poder, numa fatalidade que até hoje a vida não nos soube explicar. Marcaste as nossas vidas, Lampião. Esteja em paz ou não, nós temos boas lembranças suas. BOAS, porque as ruins, não sei se lembras, a morte sempre trata de apagar. Depois de morto todo ruim fira bom e com o senhor não foi diferente! E como diria Getúlio Vargas antes do suicídio, perdeste a vida, mas entraste para a história!

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