23 de janeiro de 2010

Quem sou eu?


Quem sou eu? Há anos fujo desta resposta. Formulários de empregos. Agendas da época de colégio. Provas de concursos. No divã com o psicólogo...é sempre a mesma pergunta: Quem você pensa que é? Por que isso interessa tanto? Ser ou não ser eis a questão! Quem sou eu? Quem sabe Freud e sua psicanálise não fosse uma boa saída. A biologia com suas explicações genéticas. A Bíblia e aquela história de que eu sou a imagem e semelhança de sei lá quem. Quem sou eu? Joana D’arc Soares Vieira, na certidão sou um nome, a soma de outros dois que eu nem sei de onde vieram: Feliciano Mendes Vieira e Maria Domingas Vieira de Moura.
Fusão entre espermatozóide e óvulo. Multiplicação de células invisíveis. Genótipos e fenótipos. E parafraseando o Raul, “Eu sou o amargo da língua, a mãe o pai o avô”. Na poesia sou o que o poeta tentou descrever como sendo um paradoxo, é assim que me sinto “ Uma parte de mim é todo mundo, outra parte é ninguém”. Numa visão poética e sertaneja “Eu sou o teu segredo mais oculto” e, citando o grande Cazuza, eu sou quem paga “a conta do analista pra nunca mais ter que saber quem sou eu”. A verdade é que eu vivo fugindo disso porque desde a época de moleca lá no interior, nas vezes em que se dava o diário para as amiguinhas assinarem, era tudo uma mentira. Frases pré-fabricadas retiradas de um livro qualquer que não eram capazes de descrever quem eu era pela frieza de ser uma cópia mal feita de quem não me conhecia. Poemas e músicas citadas por um dezenas de amigos que nem sequer entendiam as letras e o seu verdadeiro significado. Eu não sou aquilo que os meus amigos escreviam. Não com aquela perfeição que eles descreviam como forma de agradar e ser gentis. Não. Aquelas agendas guardavam nelas a formatação de um ser imaginário que não era eu.
Eu não posso aceitar que me reduzam a uma centena de frases cheias de aspas como se eu, a minha personalidade fosse a transcrição do discurso de alguém. Nem pensar. Eu mesma já cometi esse erro selecionando canções e colando no meu perfil como se a minha vida fosse o simples teclar de um Ctrl+C e Ctrl+V (cola-copia). Não. Nem pensar. O teclado que me perdoe, a biologia que me desculpe, a Bíblia que não me julgue, mas eu sou muito mais do que uma cópia. Não aceito a hipótese de ser o resultado de uma costela ou um enter num aparelho de scanner. Xérox é a mãe! E que se dane a moral, a ética e a psicanálise, mas não admito que me transformem num modelo global. Um estereótipo capitalista. Um fantoche apolítico ou mesmo religioso. Certo que o mundo interfere na minha descrição mas eu não sou apenas o resultado daquilo que ele quis que eu fosse. Não. Como dizem por aí, sou dona do próprio nariz e se não fosse assim, pra quê então o livre arbítrio? A introspecção? A auto- critica?
Quem sou eu? Quem eu sou? Sou mãe, filha, irmã, esposa, mulher, professora. Sou quem amou todos os amores que chegavam e saiam. Sou quem odiou e brigou até quando não devia. Eu sou a mãe da Karen. O jeito proibido de amar. A loucura da morte e a alegria do viver. Eu sou a lágrima escondida num sorriso encantador. Ou sou a ira, eu sou o amor. Eu sou a mosca da sopa. Um passo para uma armadilha. Treva e luz. Forte e fraco. Aquela que esconde por trás da pele de cabra, uma loba....Uma metamorfose ambulante. A imagem real e invertida que um espelho não conseguiu refletir. Opaca. Seu olho me olha, mas não me pode alcançar.
Eu sou a Júnia, a Júnia pupunha, a Joana, a Juju. Eu sou o que os meus olhos ainda não conseguiram enxergar e se algum dia ousarem, quem sabe não serão castigados pela cegueira.
Sou aquilo que nem eu ouso em dizer. Eu sou eu. E você, quem é você?

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