24 de março de 2010

PERSONALIDADE LUZIENSE: TIA LAUDINA


Era dia de carnaval quando já sob o efeito das latinhas de cervejas nos dirigíamos até a sede do João, a danceteria beleza Pura. Como jê é de tradição, todos os brincantes que pulam o carnaval em Santa Luzia tem como dever dar aquela passadinha lá pelo Borracheiro para agitar ainda mais o esqueleto. Eu ia sorridente feliz com a turma quando eu a reencontrei. Algo súbito fez o tempo voltar lá para aquela é poça em que eu ajudava o papai na velha taberna e de brinde ganhava um valor igual ao que ela pedia por um mixto quente: Tia Laudina. A avó de muitos de nós, aqueles moleques que corriam por ali na avenida castelo Branco brincando de pega com carros e motos na pista, aos seus olhares atentos por detrás do balcão em madeira e vidro. Dona Laudina, senhora de sorriso fraco, voz baixa e andar lento que nos atendia meio que sem entender o nosso pedido. A comerciante Laudina, a mãe da Ana Lúcia, da Vandinha, do Vavá, do Ceguinho e da Sandra. Naquela cidade não há quem não a conheça. O mercadinho da tia Laudina foi sempre o mais requisitado, o mais visitado e o maior em variedade. Ela era de pouca conversa, poucos sorrisos, poucas vontades. Sentada em sua cadeira de dona do estabelecimento falava apenas o necessário. Papai tem uma lanchonete logo ali pertinho dela e por isso, comigo falou um algo a mais. Eu adorava ir até ela comprar biscoite recheado e ela dava o troco rindo; “Teu pai nunca vai saber viu que andas comprando coisas sem o seu consentimento!”. Eu ria pensando: “Velha desgraçada, lucra e ainda faz ameaças!”. Mas ela era algo muito além do que eu possa conseguir escrever. Havia algo nela que puxava a gente pro seu colo. Olhar de avó, de puro cuidado. Gritava de lá, ameaçando: “Não mexe aí, moleque!” . Parecia que o seu medo não era que roubássemos a sua mercadoria, seu medo me parece hoje ser aquele que não permite que façamos as coisas erradas. A tia Laudina é merecedora dessa página, por sua lida com os filhos em abdicação ao seu sucesso pessoal. É, sem dúvida, UMA PERSONALIDADE LUZIENSE. Esqueceu de si pra cuidar dos outros. Foi mãe de netos e hoje é avó de bisneto. Ela pulou etapas. Fez da solidão um castelo construído com a solidão de um outro amor que nunca lhe veio. Passei ali naquela rua ao lado do bar do macaxeiras onde está situada a casa do Ceguinho, seu filho e a vi aos balanços numa cadeira de canudos coloridos. Seu vestido de flores e seus cabelos brancos, seu sorriso doce e seus passos agora muito mais lentos, me fizeram entender que o tempo passou, ela envelheceu mais ainda e está meio corcunda, meio surda e forçou a vista pra me enxergar, mas me reconheceu: “Isso é tu, Junia. Oi, minha filha. Dá um abraço aqui em mim, meu amor, quanto tempo!”. Fiquei tão emocionada. Ela me apertou num abraço de vó, encostou seu ombro em mim meio penca e eu senti o seu coração de perto. Retribui aquele abraço com o coração meio choroso e perguntei se ela estava bem, já que eu havia noticias da tragédia que acometeu ao desespero a sua vida e a vida de muitos da sua família, e ela, sem me largar disse: “Já vivi tanta coisa, minha filha, que o que ainda me assusta é a impossibilidade de não poder fazer mais nada. O resto se eu tiver forças, eu faço!”. Soltei ela de mim e a ajudei a voltar pra sua cadeira de balanço, onde com cuidado, fui aconchegando o seu corpo pra que ficasse feliz ali. Dei um beijo na sua mão e senti aquele cheirinho de talco Barla misturado com Alfazema, cheiro de avó...É isso o que senti ao vê-la ali, sentada aos balanços leves impulsionados pelo empurrão sem forças do pé forçando o chão. “Minha avozinha, linda. Fique em paz. Deus a abençoe!”. Sai de lá em direção à festa de carnaval pensando, essa cadeira e esse endereço não combinam com ela. Alguém tem que fazê-la voltar urgente para o seu mercadinho, ali ela se sente a vontade, vendo na BR a sua vida passar como num filme lindo que sempre termina com um final feliz!

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