8 de fevereiro de 2010

PERSONALIDADE LUZIENSE: FELICIANO MENDES


Sonhei com o papai esta madrugada, acordei sorrindo com o peito cheio de saudade. Meu pai é uma das pessoas mais lindas que conheço e por isso, nada melhor que começar o dia falando dele. Já escrevi muito sobre o seu Feliciano e transcrevo aqui muitas de minhas impressões a seu respeito e que estão no meu segundo livro “Maria de Moura, a mulher que passou do céu!”. É dele a vez no quadro PERSONALIDADE LUZIENSE de hoje. Espero que gostem:

Feliciano Mendes Vieira é o típico brasileiro nascido da miscigenação entre povos e raças, credos e culturas. Seu pai Francisco Mendes era um dos filhos de João dos Santos e Maria Engraça Mendes. Ele, primogênito de Raimundo e Filomena dos Santos, ambos descendentes de brancos e negros. Ela, descendente de índios era mulher negra. Sua mãe Gregória Vieira era filha de Raimundo Satiro e Paula Vieira - descendentes de índios e brancos. Todos, porém, nascidos em Pinheiro, no Maranhão.
Menino franzino e negro, nascera em 09 de junho de 1938, no interior de Pinheiro Maranhão na localidade de Limoal, 30 km da sede do município. Na época, Francisco e Gregória já tinham um casal de filhos, Bárbara de 07 anos e Pantaleão de 05.
Retrato de um tempo difícil, o pequeno Feliciano não teve uma infância muito boa. Aos 6 anos foi vítima de paralisia infantil. Sua mãe que era quem lhe tinha por cuidado, faleceu em 9 de novembro de 1945, deixando-o à mercê da sorte e aos carinhos do pai. A morte da mãe e a inexperiência do pai fizeram com que a carência daquela criança. Seu pai era agricultor, mas a produção do campo dava apenas para consumo da família. E foi assim que, crescendo e com um pouco de sacrifício que conseguiu pagar aulas particulares e aprendeu a assinar o nome e ler algumas coisas. Ao completar 18 anos, Feliciano destinou-se a viajar, em busca de trabalho e no meio de tantos destinos tomou como opção o Estado do Pará. A primeira parada foi na colônia Montenegro, Município de Bragança. Depois desembarcou em Ourém onde conseguiu emprego e mesmo sem muito conhecimento, passou a trabalhar em um comércio, e lá aprendeu a prática comercial. Foi nesse município também que conheceu, em 1962, jovem Maria Domingas, com quem se casou em 03 de junho de 1962.
Meu irmão mais velho me falou que quando o vovô Francisco chegou naquela margem da estrada, o lugar era povoado por nove família que estavam distribuídas em doze casas e a economia girava em torno da agricultura ou da pecuária. Esperto, ele tratou logo de arranjar um lugar estratégico para fazer um serviço que ali ainda não era comum: lanchonete. O papai sabia que com a abertura da Br - que liga o Estado Pará ao Estado do Maranhão – gente de tudo que é jeito passaria por lá para um descanso ou mesmo forrar o estômago. A visão empreendedora dos dois deu tão certo que, em poucos anos, a “Casa Aliança” era o local mais procurado da agrovila que se formava às margens da Br. O negócio deu tão certo que papai fez reinado pelas bandas de lá. Comprou terra, casa e gado e se transformou num homem bem influente e muito conhecido.
O lugarejo virou vila, município e depois cidade. A taberna feita em madeira e depois construída em alvenaria, foi o primeiro prédio de tijolo e de dois andares. Nossa casa também cresceu e ganhou um quarteirão só de quintal – a casa era grande e toda murada, coisa inédita por ali. Tempos depois, o vovô morreu, os dois irmãos dividiram o prédio e tocaram sozinhos o empreendimento. Na condição de cidade, o 47 ganhou infra-estrutura e a concorrência foi tirando o nosso sossego e o sucesso. Hoje, a maioria da freguesia vai pra lá não por causa do lanche mas por causa das piadas do papai. Seu Feliciano sempre foi piadista. Cheio de prosa e de graça, ele conquistava o freguês pelo humor. Era comum vê aquela gente sentada no banco rodeando o meu velho a espera de mais uma de suas histórias fantásticas. Ir ao 47 e não conhecer o seu Felício é ir à França e não conhecer a Torre Enfil. Papai é atração turística naquela cidade. Os fregueses chegavam com aquela pergunta tradicional só pra escutarem a resposta que era mais tradicional ainda:

- tem suco de quê seu Feliciano?
- de tudo o que você pensar!
- Vê pra mim um de cupuaçu.
- Começou pensando errado...

O povo ria, brincando: “Só sendo o seu Feliciano mesmo”. A freguesia caçoava e ele com o mesmo humor de sempre:

- Seu Feliciano, o senhor deixa uma carteira de cigarro por R$ 1,50?
- Deixo!
- toma aí então, pega uma lá pra mim.
- Pego não.
- Como assim? O senhor disse que deixava por esse valor.
- Pois é. Eu disse e deixo, mas é na prateleira.

Papai também era conhecido pelo seu potencial de reprodutor: o número de 12 filhos deu a ele a fama de fabricante de menino. E esse feito era motivo de muitas histórias. Na festividade de Santa Luzia, um compadre seu perguntou qual a melhor lua pra se plantar mandioca e ele, na bucha: “A lua de mel!”. Um amigo de um amigo, no almoço do leilão, assustou-se ao ver a mesa gigantesca e cheia de menino.

O rapaz, impressionado, perguntou:
- Tudo isso é filho seu, Felício?
- Todos não, só os bonitos. O resto é filho de amigo.

Esse meu pai. Dia desses, quase sai confusão por causa dessas piadinhas. Contam os espectadores que uma senhora estava lá na taberna esperando o ônibus, perguntou ao vendedor de suco mais ilustre do 47:

- Seu Feliciano, que horas são?
Ele olhou o relógio e se desculpando informou:
- Não posso lhe informar porque meu relógio está parado.
- Assim não adianta! Retrucou a viajante.
- E nem atrasa. Eu disse que está parado. A senhora não entendeu?

Esse jeitão bem humorado fez dele um mito, uma espécie de lenda viva e foi o que permitiu com que o boteco sobrevivesse a toda a modernidade da concorrência. Para o seu Felício não tem tempo ruim não! Está sempre tirando sarro de tudo e fazendo piada da vida alheia. Grande homem, o meu pai. Me orgulha muito ser sua filha e saber que ele contribuiu muitíssimo para a história de nosso lugar. Sei que sem ele, Santa Luzia não seria a mesma - e nem eu, é claro! Te amo muito pai! Meu exemplo de honestidade, ética e serenidade. És um grande homem, bem sabes disso!

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