23 de fevereiro de 2010

PERSONALIDADE LUZIENSE: CHICA DO MANOEL ROUQUINHO


Manhã rasgando o horizonte marcado pela ladeira do km 48. Paisagem de verde fazendo pano de fundo para o dia que vai nascendo em Santa Luzia do Pará. No interior, antes do sol, o galo caipira já acorda fazendo alarde. O canto do bicho é despertador para os moradores que não ouviram o vendedor de pão em sua bicicleta penetrando no silêncio das cinco horas: “Pão quentinho!!!”. “Pão caseiro, amassado com o pé.”Pão doce com coco fresquinho!!!”. Padaria do seu Zé Padeiro fazendo concorrência com a moderna do seu Japonês. No 47 era assim que o dia acordava, com o povo e o galo gritando na rua disputando a vez com o sino da matriz em chamados insistentes para a primeira missa do dia. Mas na rua Marechal Rondon e todas as suas transversais, como a Magalhães Barata, um outro personagem dividia o cenário e o barulho com os demais: A CHICA DO MANOEL ROUQUINHO! Nossa, a Chica não podia faltar nesse blog. Ela foi, durante muito tempo, a diversão da meninada, a personagem que faltava nas incontáveis histórias que vivemos na infância! A Chica doida. A Chica perturbada. A bruxa dos nossos contos infantis. Lembro dela com saudades daquela época em que já de manhã cedo tínhamos a casa invadida pelos seus gritos: “Jarde Barbaio perdeu, Jarde Barbaio perdeu!!!!!”Uma piada! Eu morria de medo dela. Aliás, medo não é bem a palavra certa porque quem conviveu com a Chica sabe que essa mulher era uma mistura de trágico e cômico. Num dia ela passava pela rua e jogava tacobol com a meninada, no outro ela passava jogando o taco em todo mundo. Numa manhã ela passava e pedia café, na outra se ela passasse e a gente oferecesse era porrada na certa. Não sei e nem recordo se tomava remédio controlado, o certo é que ela tinha seus dias de total descontrole, mas de vez em quando dava a forra pra garotada. Lembro que adorávamos mexer com ela pra tirar o seu sossego. Menino danado de interior sem muito brinquedo e sem muito o que fazer mexia com doido que era pra ganhar diversão. Ela passava tranquila e a gente nas piras colas gritava: “Doida, doida!!!” e ela virava maluca na hora. Atirava pedra na gente, pau, resto de comida. Tudo o que via pela frente. Corríamos rindo e com muito medo porque quando ela ficava brava ninguém segurava a sua ira. Tantas tardes e manhãs nessa sacanagem. Tantas pedras esbrecharam a nossa cabeça vindas de suas mãos com uma velocidade e uma pancada inesquecível. A Chica era a nossa Emília, uma boneca viva com quem a gente conversava e vivia grandes aventuras. Lembro que quando ela não aparecia na rua, íamos todos lá pra perto da cacimba que era pro rumo onde ela morava, ficávamos no morro, atrás dos montes de terras e capins pra aperrear a vida da coitada. Jogávamos pedra na janela da casa, olhávamos pela brecha das portas e gritávamos loucos pra que ela saísse de lá mais louca ainda atrás da gente. Muito engraçado!Éramos tão danados e irritantes que nem quando ela engravidou nós deixamos a pobre em paz. Nove meses e muitas loucuras fizemos juntos. Com a nossa turma nem o resguardo deu jeito.Sinto saudades dela. Sei que não morreu e que ainda vaga pelas ruas de Santa Luzia um dos filhos seus e a Adriana, também sua filha, mas dada aos cuidados da professora Olinda, está muito bem obrigada por aqui pela capital, mas não vejo a Chica há anos, desde que o seu marido morreu. Só sei que entre loucuras e aventuras...Ela, a Chica do Manoel Rouquinho, fez parte do sossego e do desassossego daquela cidade e será lembrada. SEMPRE!

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